domingo, 25 de dezembro de 2011
HISTÓRIA AMBIENTAL DE SÃO PAULO: MEIO AMBIENTE, CIDADANIA E MUSEUS
Professor Paulo Henrique Martinez - Unesp/Assis
O bicentenário da vinda da Corte portuguesa para o Rio de Janeiro tem inspirado muitas reflexões sobre a história, em livros, reportagens, entrevistas, reuniões cientificas, exposições e iniciativas de preservação e restauro. Para a nossa história ambiental a instalação da sede da monarquia em solo brasileiro representou a disseminação de uma forma peculiar de relação da sociedade com a natureza, o trabalho, a terra e os recursos naturais. A apropriação e a exploração do mundo natural nos territórios luso-americanos ganharam novo impulso, acentuando uma tendência e uma prática em escala mundial, desde meados do século XVIII. No caso português, uma série de iniciativas marca o esforço de aproveitamento econômico da produção natural, da criação e ampliação dos espaços agrários e dos produtos minerais da colônia na América, com o objetivo de incrementar a produção agro-pecuária, dinamizar o comércio exterior e elevar a arrecadação do fisco real.
Esta política consistiu em gerar uma articulação econômica entre Portugal e suas possessões na América, sobretudo nos pontos historicamente consolidados no litoral, na região sul e no vale amazônico. O incremento da produção agrícola e do extrativismo animal, vegetal e mineral foi buscado com a introdução do estudo da História Natural na Universidade de Coimbra, em 1772, a realização de viagens filosóficas (expedições científicas) para a coleta e a classificação de espécies, a formação e remessa de amostras e coleções sobre a natureza das colônias para Lisboa, a difusão de conhecimentos botânicos, zoológicos e geológicos, com a redação, tradução e publicação de livros, a organização de jardins, museus, laboratórios. A absorção de princípios racionais e científicos do Iluminismo, em Portugal, alimentou inúmeras práticas governamentais de caráter reformista e ilustrado, presente na administração do Estado e da economia, incluindo as colônias que possuía na América, África e Ásia.
Em São Paulo os sintomas dessa política surgiram a partir de 1765, com a restauração da autonomia da capitania, então, subordinada ao Rio de Janeiro, e o estímulo ao seu povoamento e exploração econômica. Desde o fim do século XVIII, a cana-de-açúcar conheceu uma grande expansão, sobretudo na área do chamado “quadrilátero” entre Jundiaí, Sorocaba, Piracicaba e Mogi-Guaçu. Os efeitos dessa política atravessaram o século XIX e seguiram pelo século XX adentro, com a permanência do caráter exportador da cafeicultura, o uso intensivo da mão-de-obra, sobretudo escrava, a concentração da propriedade e da renda rural. Durante a primeira metade do século XIX, os engenhos de açúcar sustentaram a economia paulista, depois de 1850 o café foi o soberano nas exportações, com presença marcante até a década de 1960, e na ocupação de novas áreas no entorno das ferrovias Araraquarense, Mogiana, Noroeste, Paulista e Sorocabana e o curso de rios, como Pardo, Tietê, Feio, Peixe e o Paranapanema.
Os impactos desta contínua expansão da atividade agrícola sobre o meio ambiente, em São Paulo, foram o empobrecimento dos solos, esgotando suas potencialidades, e a erosão, a supressão da cobertura vegetal no interior paulista e a perda vertiginosa de fauna e flora. O crescimento urbano e a industrialização acelerada, a na década de 1970, geraram novos e maiores impactos ambientais no estado. A impermeabilização dos solos, a poluição atmosférica, o abastecimento e o saneamento das águas, o consumo de energia elétrica, a ocupação de áreas de encostas, de mananciais, de várzeas, margens de córregos, rios e fundos de vale, obras de infra-estrutura, destino inadequado do lixo, foram vetores de mais impactos ambientais nas metrópoles e cidades brasileiras.
A velocidade e a destruição neste processo secular foram tão amplas e intensas que privaram a sociedade do contato com a biodiversidade regional, situação responsável pelo seu atual desconhecimento e, logo, pela indiferença quanto ao seu destino e preservação. São emblemáticos e recentes os esforços para reverter esse quadro historicamente constituído, como o desenvolvimento do projeto Biota, apoiado pela Fapesp, e o programa Município Verde, da Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo. A recomposição de matas ciliares, um passo inicial, enfrenta dificuldades de ordem cultural, financeira, produtiva e política para a sua concretização.
Os limites das práticas de cidadania, então, emergem com força. A desinformação, a inexperiência, a restrita oferta de espaços interativos com a natureza, pois são poucas, pequenas, precárias, inoperantes e distantes as unidades de conservação no estado, a indisponibilidade de tempo, dinheiro, disposição e de recursos materiais da maioria da população, contrastam com a avassaladora e crescente demanda pelos parques urbanos e áreas verdes das cidades, como São Paulo, e pelas praias do litoral paulista. Em pequenas cidades do interior há reivindicações pela criação e ampliação de parques, bosques, praças, lagos e arborização urbana.
Os museus são instituições que, por suas características intrinsecamente multifacetadas de preservação, pesquisa e comunicação, podem desempenhar papéis ativos na consciência política e na mudança social, excitar curiosidades, reflexões, pesquisas e o ensino da história ambiental paulista e nacional, mundial até. Agentes produtores e reprodutores de valores sociais e culturais, os museus podem tratar dos problemas enfrentados pela sociedade do século XXI e incentivar a busca de soluções para as dificuldades que ela encontra em sua trajetória coletiva, suas expectativas e necessidades existenciais no presente e no futuro. Ao conservar, expor, problematizar e refletir sobre os registros materiais e imateriais das múltiplas formas de interação dos indivíduos, grupos humanos, classes sociais, estados e o conjunto da ação antrópica na biosfera, os museus podem criar espaços de valorização da cidadania, pela demonstração e o questionamento não apenas do passado, sobretudo do tempo atual, esse amálgama do passado e do tempo presente.
Estas possibilidades de ação nas instituições e nos espaços museológicos também proporcionam nova relevância e legitimidade social aos museus. Os usos sociais que o patrimônio ambiental e cultural pode adquirir, pela iniciativa de gestores, técnicos, educadores, historiadores, museólogos e usuários de museus, oferecem fecundos resultados na elaboração do conhecimento histórico e científico, na formação continuada de profissionais, na dinamização do ensino fundamental e médio, na divulgação científica, de práticas sociais, de tecnologias de sustentabilidade e gestão de políticas sociais em países com as características do Brasil.
A adoção e o fortalecimento de políticas públicas que promovam a educação, o meio ambiente, a cultura e a cidadania, ajudariam a reverter esse quadro paradoxal, onde apatia e desinteresse pelo meio ambiente convivem com a busca e a necessidade de contato, de lazer e de interação com a natureza. A orientação das atividades nos museus históricos, de ciência e das cidades também pode contribuir para o conhecimento de nossa história ambiental e ao estímulo para novas formas de relação com o suporte biofísico da sociedade de produção e de consumo, incessantemente mundializada, desde o século XVIII, e que exibe, aberta e explicitamente, os custos sociais e ambientais de sua continuidade. E isto pode e precisa ser mudado a partir da ação política e social de pessoas, instituições e governos em múltiplas e diferentes escalas da existência humana.
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